segunda-feira, 23 de abril de 2012

DIA MUNDIAL DO LIVRO - LIVROS SO MUDAM PESSOAS

Faz sentido que o Dia Internacional do Livro  seja comemorado dia 23, pelo mundo afora. A data, estabelecida em  caráter definitivo pela Unesco em 1996, homenageia dois gigantes máximos da  literatura ocidental. O 23 de abril seria, por uma lenda repetida  universalmente, o dia em que morreram, no mesmo ano, o espanhol Miguel de  Cervantes (1547 – 1616), o inventor do romance moderno com Dom Quixote,  e o inglês William Shakespeare (1564 – 1616), o inventor do humano, como o chama  Harold Bloom.
Trata-se de uma das mais instigantes mitologias  do universo literário, uma lenda que dota o terreno profano da literatura de uma  data mágica ao estilo das Vidas de Santos (que antes eram muito mais comuns em  livro). Dois dos pilares da literatura mundial viveram de fato na mesma época,  mas a predestinação histórica que os teria feito partir ao mesmo tempo é  ficção.
Para começar, da biografia de Shakespeare, autor  de obras onipresentes em praticamente todo o mundo, sabe-se muito pouco. Embora  tenha deixado quase 1 milhão de palavras de texto, apenas 14 delas são  comprovadamente de seu próprio punho: o nome assinado seis vezes e as palavras “por mim” em seu testamento, como conta um de seus biógrafos, Bill Bryson, em Shakespeare: a Vida É um Palco. Há pouca informação mesmo sobre o dia  de seu falecimento – têm-se registros de seus funerais, mas não a data  exata do óbito.
Mesmo que tenha sido 23 de abril a data da morte  de Shakespeare, não teria sido no mesmo 23 de abril de Cervantes pelo simples  motivo de que, na época, a Espanha, onde Cervantes vivia, havia adotado, como  bom país católico, o calendário imposto pelo papa Gregório em 1582. E  Shakespeare vivia na Inglaterra protestante, frequentemente hostilizada pelo  reino espanhol a serviço do Vaticano, e que ainda marcava o tempo pelo  Calendário Juliano. A Inglaterra só adotaria o Calendário Gregoriano em 1751.  Shakespeare, portanto, teria morrido no dia 3 de maio – 10 dias após o  espanhol.
Mas quem vai dizer que a história não é boa?  Sendo assim, para que insistir tanto na picuinha das datas? Para lembrar,  talvez, que a literatura é em última instância uma construção paradoxalmente  individual (na mente e no coração de cada leitor) e coletiva (na transmissão de  leituras e cânones, de intepretações e até mesmo mitologias literárias com as  quais os leitores se comprazem).

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